segunda-feira, 26 de abril de 2010

A situação subumana dos presos em Goiás

"Enviou-me para proclamar a libertação aos presos" (Lc 4,18)

            As quatro reportagens do Jornal O Popular do início de fevereiro deste ano sobre a realidade dos detentos nas unidades que integram o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (Penitenciária Odenir Guimarães - POG, Casa de Prisão Provisória - CPP, Presídio Semiaberto, Núcleo de Custódia, Presídio Feminino) e na Casa do Albergado no Jardim Europa, nos deixaram a todos profundamente indignados (cf. O Popular, 1-4 de fevereiro/10). Não dá para acreditar que em pleno século XXI ainda existam situações como essas. Infelizmente, os nossos Presídios são depósitos de detentos, tratados como "lixo humano". As matérias e as imagens publicadas falam por si mesmas. Todos os Direitos Humanos fundamentais estão sendo permanentemente violados.
            O Promotor de Justiça da área de Execução Penal em Goiânia, Haroldo Caetano da Silva apresenta provas testemunhais e ampla documentação fotográfica sobre a situação subumana dos detentos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (o antigo Cepaigo). No POG, por exemplo, os 1.500 detentos ocupam 750 vagas existentes no Presídio e - afirma o Promotor - "passam os dias no ócio, sem atendimento mínimo de saúde, em meio a entulho e esgoto, com regras próprias de convivência, autoridade e hierarquia" (Ib., 1° de fevereiro/10, p. 2).
            Diante desta situação subumana tão degradante, em que vivem os nossos irmãos e irmãs presos, a primeira atitude que a Justiça - se houvesse Justiça - deveria tomar, seria a interdição imediata dos Presídios da Grande Goiânia, obrigando o Estado a manter os presos em outros complexos habitacionais ou hoteleiros, até que seja realizada uma reforma e uma reestruturação completa dos Presídios.
O que causa mais estranheza ainda - por mostrar a irresponsabilidade humana e ética do Poder Público Estadual - é saber que "o Governo federal já liberou ao Estado, em 2008 e em 2009, R$ 7,2 milhões para reforma e ampliação da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), o antigo Cepaigo, e dos Presídios de Semiaberto, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. A realidade dos dois Presídios é de caos, com uma estrutura física que não suporta a superlotação nem oferece as condições mínimas de convivência humana e segurança. O dinheiro do Ministério da Justiça já está depositado nas contas do Governo Estadual, quase metade desde 2008. Mas, até agora, nem as licitações para as obras foram realizadas" (Ib., 3 de fevereiro/10, p. 5).
             "O Estado - afirma o Promotor Haroldo Caetano - tem uma postura de não investir no Sistema Prisional, mesmo quando a União libera recursos" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            Pergunto: Quem será processado, julgado e punido pela morte (1° de agosto de 2009), na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de Paulo Roberto Reis, que era paraplégico e que - tomado por escaras, desnutrição e desidratação - teve infecção generalizada por falta de assistência médica? (Cf. Ib., 1° de fevereiro/10, p. 3).
            Na Casa do Albergado a situação não é diferente. O Conselho da Comunidade na Execução Penal (CCEP) - presidido pela Irmã Petra Silvia Pfaller, que atua também na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia - numa visita que fez em dezembro passado à Casa do Albergado, onde presos cumprem pena em regime aberto (e, agora também, em regime semiaberto) constatou - como confirmam as imagens - "a superlotação (três vezes superior à quantidade de vagas), a falta de higiene e a inexistência de mínima estrutura física e condições humanas para o abrigo dos presos" (Ib., 4 de fevereiro/10, p. 4).
            A Pastoral Carcerária confirma a realidade - registrada em fotos - encontrada pelo Promotor Haroldo Caetano e a vive cotidianamente. A Irmã Petra, que acompanha há 17 anos os detentos, diz que o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia "é o inferno brasileiro". Fala do "descaso com a infraestrutura" e diz que "no Semiaberto, o esgoto sempre sobe com a chuva". Constata ainda o agravamento da superlotação. "Quando eu comecei, havia 500 pessoas no Cepaigo. Hoje, são 1,5 mil" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            O Jornal O Popular, do dia 29 de março deste ano, publicou outra reportagem sobre o péssimo estado no qual se encontra a estrutura física do Presídio Semiaberto, que já tinha sido parcialmente interditado pelo juiz Alexandre Manso e Silva em outubro do ano passado, determinando que até 12 de março deste ano fossem tomadas as medidas necessárias para melhorar as condições do local. Como o Estado até hoje não cumpriu o que tinha sido determinado, o juiz substituto da 4a Vara Criminal de Goiânia, que cuida da Execução Penal, Marcelo Lopes de Jesus interditou o Presídio Semiaberto e determinou que 240 presos (homens e mulheres) da Casa do Albergado fossem liberados (terminando de cumprir suas penas em regime domiciliar), abrindo vagas para os  presos que estavam no Presídio Semiaberto. O promotor Haroldo Caetano da Silva, mais uma vez, afirma: "Literalmente os presos estavam dormindo sobre as próprias fezes" (Ib., p. 3).
            O mesmo Jornal O Popular, no dia 20 de abril deste ano,  publicou mais uma reportagem sobre os presos doentes mentais e afirma: "Presos com doenças e transtornos mentais são jogados diariamente na vala comum de presídios à beira do colapso. Essa é a realidade de pelo menos 57 detentos em Goiás, 33 deles com necessidades claras de tratamento. Sem assistência adequada, esses indivíduos têm seus quadros psiquiátricos agravados, representando um risco para si mesmos, para o sistema e para a sociedade, quando postos em liberdade".
            E continua ainda dizendo: "sujeitos às regras do cárcere, eles convivem  com a falta de remédios. Reunidos numa ala da Penitenciária Odenir Guimarães (o antigo Cepaigo) em Aparecida de Goiânia, num lugar chamado de pátio da enfermaria, homicidas, assaltantes, estupradores e traficantes são abandonados à própria sorte. Para dar apenas um exemplo do caos, o sistema conta com um único psiquiatra para cuidar de uma população carcerária formada por mais de 11 mil presos. O assassino confesso dos seis jovens de Luziânia é a prova cabal desse cenário" (p. 2).
A respeito dos presos doentes mentais, o promotor de Justiça Haroldo Caetano, da Execução Penal, denúncia: "Esses sujeitos estão em lugares que se comparam às masmorras medievais ou a campos de concentração" (Ib.). Que situação! Como podem as nossas autoridades ser tão insensíveis diante de tantas mazelas do sistema penitenciário? 
            Os presos clamam por justiça, por seus direitos violados e por sua dignidade perdida. Ouçamos este clamor dos nossos irmãos e irmãs presos e sejamos seus porta-vozes.
            Deus disse: 'Eu vi a miséria do meu povo (…). Ouvi o seu clamor (…) e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo (…)" (Ex 3, 7-8).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   

Goiânia, 26 de abril de 2010

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