domingo, 26 de setembro de 2010

Eleições: reforma ou mudança?


            Vivemos no sistema capitalista neoliberal, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385) ou um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio - PP, 26).
            Em outras palavras, o capitalismo é "o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande maioria" (Bispos do Centro-Oeste. Marginalização de um Povo, 1973).
            Precisamos denunciar as "situações de pecado" (DA, 95), as "estruturas de pecado" (DA, 92, 532), as "estruturas de morte" (DA, 112) da nossa sociedade moderna e colaborar "com outros organismos ou instituições para organizar estruturas mais justas nos âmbitos nacionais e internacionais. É urgente criar novas estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política, na qual não haja iniquidade e onde haja possibilidades para todos. Igualmente, requerem-se novas estruturas que promovam uma autêntica convivência humana (…)" (DA, 384).
            "A esperança nunca morre" (D. Pedro Casaldáliga). O 16° Grito dos/as Excluídos/as deste ano de 2010 - um sinal concreto de esperança - tem como tema "Vida em primeiro lugar" e como lema "Onde estão nossos direitos? Vamos às ruas para construir um projeto popular".
            As eleições são um momento ímpar para o exercício da cidadania. Quais os critérios que devem orientar a escolha dos candidatos/as?
            A meu ver, temos que olhar não só a história de vida dos/as candidatos/as, mas também e sobretudo, o projeto político que eles/elas e seus partidos defendem atualmente. Digo "atualmente", porque existem partidos e candidatos/as, que se aliaram ao sistema econômico dominante e renegaram - se não com palavras, pelo menos de fato -  toda sua história de luta ao lado do povo pobre, oprimido e excluído.
            Temos também candidatos, que se dizem "cristãos" e fazem questão de defender alguns valores importantes no campo da bioética, mas que "encontram-se muitas vezes em contradição com as opções e compromissos que estes mesmos candidatos têm em relação aos direitos humanos, à economia, à vida social e política e, de modo especial, às necessidades dos pobres".
            "A defesa de alguns valores importantes pode ser feita por estes candidatos para iludir e esconder compromissos e práticas que estão, na verdade, a serviço da cultura da morte. A defesa da cultura da vida exige que os valores da bioética não sejam separados dos valores da ética social" (CNBB. Eleições 2010: o chão e o horizonte. Brasília-DF, maio/2010).
            Hoje, "na verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo. Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas.
            Há insatisfação, sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos movimentos sociais.
            (…) Existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (“O Brasil que queremos”). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos" (Entrevista com o sociólogo Ivo Lesbaupin, concedida, por e-mail, à IHU On Line, abril 2010).
            Delfim Netto, homem forte da economia no regime militar e, atualmente (por incrível que pareça) um dos principais conselheiros do atual governo, afirma que o governo foi o primeiro a perceber "que o capitalismo deve aos programas de distribuição de renda sua sobrevivência no país" e que o governo "mudou o pais de forma importante, de forma a salvar o capitalismo" (Entrevista de Aguinaldo Novo. Em: O Globo, 20/09/09).
            Infelizmente, a maioria dos nossos candidatos/as (mesmo quando se dizem cristãos/ãs), seja da situação que da oposição, são reformistas. Não querem mudar as estruturas do "sistema econômico iníquo" vigente; querem simplesmente "maquiá-lo", colocando remendinhos novos numa roupa velha.
            As diferenças e as brigas entre eles e elas se referem unicamente à reformas e não à mudanças estruturais. Para esses políticos, os chamados "programas sociais de distribuição de renda" (que em situações emergenciais são necessários, mas que não resolvem o problema) são como balinhas que se costuma dar às crianças para que não chorem, e servem para legitimar o "sistema econômico iniquo" vigente (às vezes, até com argumentos religiosos, usando o nome de Deus em vão) e para manter o povo, pobre, oprimido e excluído em situação de dependência dos poderosos e do governo, evitando assim possíveis revoltas.
            "A misericórdia (leia-se: obras sociais, programas sociais de distribuição de renda e outros) sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social, que vá elevando o nível de vida dos cidadãos, promovendo-os como sujeitos de seu próprio desenvolvimento" (DA, 385).
            Hoje - como falou o sociólogo Ivo Lesbaupin - a maioria dos movimentos populares são cooptados pelo governo, atrasando mais de trinta anos, talvez, a organização popular. Basta, por exemplo, lembrar a festa do primeiro de maio, reduzida a um show para os trabalhadores.
            Precisamos reverter essa situação iníqua e votar em políticos que estejam de acordo com o projeto "o Brasil que queremos", "projeto popular", alternativo, justo, humano, fraterno e estruturalmente diferente. Mesmo que muitos deles ou delas não ganhem agora as eleições, marcam presença, fazem avançar o processo democrático e abrem caminhos novos para que o "projeto popular" aconteça.
            Eleitores e eleitoras, vamos abrir os olhos, refletir e tomar nossas decisões. O seu voto é muito importante e faz a diferença. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo, 10, 10).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 26 de setembro de 2010  


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