sábado, 18 de junho de 2011

Palocci caiu, o caso não encerrou

Há poucos dias escrevi um artigo com o título  “O caso Palocci: o ‘toma lá, dá cá’ de uma política sem ética” (Diário da Manhã, Opinião Pública, 03/06/11, p. 3). Depois dos novos desdobramentos do caso em questão, volto a falar sobre o assunto.
Como todos sabemos pela ampla cobertura que a imprensa deu ao fato, antes de assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, Antônio Palocci adquiriu, na cidade de São Paulo, um escritório por R$ 882 mil e um apartamento de luxo por R$ 6,6 milhões. Segundo o  ministro, os dois imóveis foram comprados pela empresa Projeto Administração de Imóveis, da qual ele possui 99,9% do capital.
Em base ao patrimônio de R$ 375 mil, declarado à Justiça Eleitoral em 2006, com a compra desses imóveis, Palocci multiplicou por 20 seu patrimônio nos quatro anos em que esteve na Câmara (Cf. Folha de S Paulo, 15/05/11, p.A4).
Por causa da crise que a denúncia causou no governo Dilma Rousseff, depois de muitos conchavos políticos, Palocci caiu, mas o “caso Palocci” não encerrou. A sociedade exige que seja investigado e que - se comprovados (como tudo indica) os crimes de enriquecimento por abuso de poder e de trafico de influência - o ex-ministro seja processado, julgado e condenado. Infelizmente, os crimes de colarinho branco quase sempre são silenciados, esquecidos e empurrados debaixo do tapete. Não podemos permitir que a impunidade continue. É uma questão de justiça, é uma questão de ética.
Infelizmente, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu arquivar as representações, que pediam a abertura de inquérito contra o ministro-chefe da casa Civil, Antônio Palocci, por não existir - segundo ele - indícios concretos de prática de crime e nem justa causa para investigar o caso.
"O Ministério Público - diz Romeu Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado - analisou toda a documentação minuciosamente e apontou que não há irregularidade. Se não há irregularidade, não tem por que se querer fazer CPI ou convocar o ministro Palocci aqui no Senado. É um assunto de página virada." (www.terra.com.br - 07/06/11). O senador pretende tampar o sol com a peneira e mente descaradamente, sabendo que aquilo que ele diz não é verdade. As denúncias são muito graves, e a sociedade espera que todas elas sejam investigadas e esclarecidas, com a maior transparência possível. Chega de impunidade!
O deputado federal Moreira Mendes (PPS-RO) - expressando, a respeito do caso Palocci, os sentimentos da grande maioria dos cidadãos/ãs brasileiros - reagiu à decisão do procurador-geral da República, dizendo: “É absolutamente lamentável essa decisão do procurador-geral. Com essa  postura, o Ministério Público Federal passou a ser um apêndice, uma assessoria especializada do Palácio do Planalto”. E ainda: “A instituição deixou de lado a responsabilidade constitucional de fiscalizar os atos do Poder Público. Ao engavetar os pedidos de investigação, o procurador-geral faz com que o Ministério Público perca  credibilidade”.
O deputado disse também ser o “fim” o MP desprezar os “fortes” indícios que pesam contra o ministro e indagou: “Ao que parece, nem isso sensibilizou o procurador. E se aparecer mais denúncias, vai ficar assim mesmo? E a satisfação que  o Ministério Público terá de dar à sociedade?”.
Como se isso não bastasse, o governo Dilma Rousseff submete - segundo Moreira Mendes - o Congresso Nacional a uma situação “constrangedora”, a fim de evitar que Antônio Palocci seja convocado pelo mesmo Congresso para explicar a “fórmula” pela qual conseguiu crescer seu patrimônio 20 vezes em quatro anos (www.pps.org.br - 07/06/11).
Por que tantas artimanhas para esconder a verdade dos fatos? Tudo isso suscita - e com razão - muitas suspeitas. Se nas investigações houvesse honestidade, o primeiro interessado no esclarecimento dos fatos deveria ser o próprio Antônio Palocci.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou que recebeu com frustração e decepção a notícia da decisão do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de arquivar as representações contra o então ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci,
 "Ninguém - comentou ele - vinha atribuindo culpa a quem quer que seja. O que a sociedade esperava era a investigação da situação que envolvia o ministro Palocci por parte do Estado brasileiro, aí representado por quem pode fazê-lo, que é o Ministério Público Federal". Segundo o presidente nacional da OAB, com a decisão, a leitura que se transmite à sociedade é, lamentavelmente, "a de que se conferiu uma senha para a impunidade neste país".
O sentimento maior - continua Ophir Cavalcante - é o de frustração e decepção, porque se negou o direito da sociedade brasileira, de ver realizada a investigação acerca dos bens de um dos homens públicos mais influentes da República (www.oab.org.br - 07/06/11).
Mesmo após o arquivamento pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, das representações contra Antônio Palocci, por iniciativa da oposição e da imprensa, as investigações continuam acontecendo no Ministério Público Federal do Distrito Federal, no Ministério Público Federal de São Paulo e na própria Procuradoria Geral da República (PGR).
“O País merece saber como o ministro-chefe da Casa Civil conseguiu tanto dinheiro em tão pouco tempo. Se é que teve mesmo clientela tão vasta enquanto era deputado federal, a que título seus clientes o pagaram? As deduções de impostos de tais pagamentos foram feitas corretamente ou houve irregularidade por incompatibilidade dos serviços realmente prestados com as exigências da Receita? Isso sem contar a necessidade de verificação sobre possíveis vínculos entre a atividade de consultor e a influência de Palocci no governo” (www.estadao.com.br - 08/06/11).
Outras duas denúncias surgiram contra Antônio Palocci. A primeira é a denúncia de que ele vive há quatro anos num apartamento alugado de 640 metros quadrados, cujo dono - segundo reportagem da Revista Veja (04/06/11) - é uma empresa fantasma, ou seja, de fachada, que está em nome de um laranja de 23 anos, que mora num casebre de fundos na periferia de Mauá, no ABC Paulista, e recebe R$ 700 por mês.
A segunda é a denúncia de que Antônio Palocci teria incorrido em crime fiscal, quando - numa entrevista concedida à TV Globo (04/06/11) - admitiu ter recebido, no final de 2010, R$ 10 milhões, relativos a contratos praticados entre 2006 e 2010 pela empresa de consultoria Projeto.
Os que lutamos pela justiça e exigimos que as denúncias contra Palocci (como contra qualquer pessoa) sejam investigadas, muitas vezes, somos acusados de desestabilizar o governo e favorecer o retorno da direita.
Podemos perguntar: “Nesse contexto, o que cabe à esquerda? Calar-se para não se misturar com essa escumalha reacionária? Nem de perto. Cabe denunciar os dois como produtos inerentes do caráter essencialmente predatório dessa ordem econômica que oprime maiorias para enriquecer privilegiados. Dessa ordem capitalista. É isso que temos que deixar claro permanentemente. Embora estejamos taticamente coincidentes, até juntos, não estamos misturados. Estamos contra os dois: os que se venderam, como Palocci e seus aliados - dos maganos do PT aos cardeais desprezíveis do PMDB -, e os que sempre estiveram cúmplices dos que corrompem e degradam as instituições, ditas, republicanas - PSDB, PFL e seus sucedâneos. E é por aí que fazemos a diferença. É por aí que nos fazemos imprescindíveis” (Milton Temer, Contra Palocci e contra a direita farsante,    www.correiocidadania.com.br - 08/06/11).
Além do mais, qual é, na prática, a diferença que existe entre Palocci e os políticos da chamada direita demotucana e sua mídia, se “Palocci sempre foi o homem de confiança do deus-mercado e dos barões da mídia”, e se Palocci sempre foi “um político pragmático, centralizador e adepto da ortodoxia neoliberal”? (Altamiro Borges, Palocci caiu! E agora, Dilma?  www.adital.com.br - 09/06/11).
E que dizer, então, do seguinte questionamento: “Em reunião de representantes do PT, PSB, PC do B e PDT, alguém discursou: precisamos estar atentos, pois a direita se prepara para voltar ao poder. Nessa seleta reunião, outro sujeito bradou com toda força: direita? Mas direita somos nós. Basta lembrarmos que ser direita é preservar a manutenção do sistema capitalista e é isso o que nós fazermos diuturnamente. Talvez os senhores estejam se referindo à extrema-direita. Mas o Maluf, o Sarney, o Jader Barbalho, o Renan Calheiros, o Romero Jucá e todo o PMDB fisiológico já não estão do nosso lado? Por que pregar esse espantalho de uma direita que não passa de nós mesmos?” (Gilvan Rocha, Que direita? - www.correiocidadania.com.br - 20/05/11). Pensemos nisso.

Enfim, os que lutamos por “um outro mundo possível” somos terminantemente contra toda prática política oportunista e interesseira, toda prática política de conchavos, e toda prática política do “toma lá, dá cá”, venha de onde vier. Queremos, sim, uma prática política que seja realmente humana e ética.
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 17/06/11, p. 3 



 Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra


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