domingo, 31 de julho de 2011

25 Anos do 6º Encontro Interreclesial das CEBs

Há 25 anos, do dia 21 a 25 de julho de 1986 (depois de um ano, um mês e 20 dias da Páscoa definitiva do grande Pastor-Profeta Dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia), aconteceu em Trindade - GO o 6º Encontro Interreclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) com o tema: “CEBs, Povo de Deus em Busca da Terra Prometida”.
O Encontro contou com 1.647 participantes, dentre os quais 742 representantes das bases, 203 agentes de pastoral, 30 assessores, 51 bispos, 16 representantes de Igrejas evangélicas, 10 representantes dos povos indígenas, e observadores nacionais e estrangeiros.
“O 6º Interreclesial significou uma virada decisiva na vida dos Interreclesiais. (...) Os Encontros Interreclesiais das CEBs passam, em Trindade, por uma transformação de sua natureza. (...) Em razão da proporção dos participantes, bem mais acentuada com respeito aos Encontros anteriores, não havia condições plausíveis para um estudo mais aprofundado sobre os temas propostos. Num evento de quase duas mil pessoas não se podia mais, evidentemente, privilegiar o momento reflexivo. A dimensão celebrativa passa a ocupar lugar de centralidade, o que não significa ausência da dimensão reflexiva, que permanecerá em cena. A novidade é que a partir de então os tempos fortes dos Interreclesiais serão ocupados por grandes e vibrantes celebrações de fé. As celebrações do Interreclesial de Trindade foram extremamente criativas, com destaque para a presença de símbolos gestados na ampla e profunda experiência de enraizamento popular das Comunidades” (Os Interreclesiais das CEBs: Identidade em construção!, Persp. Real. 29 (1997) 155-187). Diversas vezes, destacou-se que “a Santíssima Trindade é a melhor Comunidade”.
Em sintonia com o tema central, outros grandes temas - ligados à caminhada das CEBs - marcaram o 6º Interreclesial: CEBs e seu estatuto eclesiológico (identidade e missão, fé e política, espiritualidade libertadora e Bíblia, hierarquia e ministérios); CEBs e política partidária; CEBs e projeto político popular; CEBs e sindicalismo; CEBs e movimentos populares; CEBs e lutas específicas (mulheres, negros e índios); CEBs e luta pela terra (terra de Deus, terra de irmãos): CEBs e reforma agrária (projetos do governo); CEBs e moradia (solo urbano); CEBs e questão latino-americana; CEBs e ecumenismo; e outros.
No Encontro, falou-se muito das CEBs como um novo jeito ou “um novo modo de ser Igreja” (CNBB. As Comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil, 1982, doc. 25, 3) e “um novo modo de toda a Igreja ser”. Entre as duas expressões não há, a meu ver, contradição; elas se complementam a partir de enfoques diferentes. Por “um novo modo de ser Igreja”, entende-se “um espírito ou referência inspiracional e não uma forma ou uma estrutura específica” (Os Interreclesiais das CEBs: Identidade em construção!, o.c.). Se as CEBs - como foi afirmado em 2000, no 10º Interreclesial - têm 2000 anos de caminhada, pode-se dizer também que elas são, ao mesmo tempo, “um novo e antigo modo de ser Igreja”: “um novo modo”, pela escuta dos sinais dos tempos, ligando a fé com a vida; “um antigo modo”, pela volta às fontes, redescobrindo a principal motivação, que é a motivação bíblica (Êxodo, Profetas, Jesus de Nazaré).
Por “um novo modo de toda a Igreja ser”, não se quer defender “um modo único de ser Igreja” ou a uniformidade na Igreja, mas se quer apontar uma meta (uma utopia, um ideal): viver, de forma sempre mais radical (radicalidade evangélica), aquilo que define ou caracteriza o ser de toda a Igreja, nas suas mais variadas manifestações, segundo o projeto de Jesus de Nazaré. Para toda a Igreja, o grande referencial deve ser a práxis de Jesus de Nazaré ou, em outras palavras, o seu jeito de ser e viver. Toda a Igreja deve ser e viver hoje como Jesus foi e viveu na época dele.
Pode-se afirmar que as CEBs “são herdeiras do sonho de Jesus e de sua missão libertadora” (Carta dos bispos às Comunidades Eclesiais de Base. 10º Interreclesial: 11-15/07/2000). É nesse sentido que se pode dizer também que as CEBs são “um modo normal de toda a Igreja ser” (Dom Pedro Casaldáliga, 2000).
“Um novo modo de ser Igreja” e “um novo modo de toda a Igreja ser” leva necessariamente a “um novo modo de a Igreja estar presente ao mundo” (CNBB, doc. 25, 4).
Antes do Encontro de Trindade, foram realizados 5 Interreclesiais:
1º Interreclesial: Aconteceu na cidade de Vitória (ES), de 06 a 08 de janeiro de 1975, com o tema: “Uma Igreja que nasce do Povo pelo Espírito de Deus”. Dele participaram 70 pessoas, representantes de 11 dioceses. Foi enfatizada a importância da participação.
2º Interreclesial: Também realizado na cidade de Vitória (ES), de 29 de julho a 1º de agosto de 1976, com o tema: “Igreja, Povo que caminha”. Contou com 100 participantes. No processo de nova consciência socioeclesial, o 2º Interreclesial favoreceu a compreensão de que a fé não pode ser separada da vida e que a Palavra de Deus se revela também na história do Povo.
3º Interreclesial: Foi em João Pessoa (PB), de 19 a 23 de julho de 1978, com o tema: “Igreja, Povo que se liberta”. Dele participaram 200 pessoas. Em relação aos Encontros anteriores, houve uma significativa mudança. Grande parte da assembleia era constituída de gente simples. Assessores e bispos colocavam-se no lugar de ouvintes da palavra dos pobres e pequenos, de sua história e paixão, de seus sonhos e esperanças.
4º Interreclesial: Aconteceu em Itaici (SP), de 20 a 24 de abril de 1981, com o tema: “Igreja, Povo Oprimido que se organiza para a Libertação”. 300 pessoas estavam presentes. O Encontro deixa claro que as CEBs, em razão de sua identidade religiosa ou de sua eclesialidade, não podem se transformar em células partidárias, mas tampouco podem deixar de lado sua educação política. As CEBs devem ser lugar de vivência, aprofundamento e celebração da fé, mas também lugar onde se confrontam vida e prática com a Palavra de Deus, no sentido de se verificar a coerência da ação política com o plano de Deus.
5º Interreclesial: Foi em Canindé (CE), de 04 a 08 de julho de 1983, com o tema: “Igreja, Povo Unido, Semente de uma Nova Sociedade”. Contou com 500 participantes, inclusive com representantes de outros países da América Latina. A reflexão central do Encontro foi que, na luta por uma nova sociedade, as CEBs encontram na motivação evangélica a razão última de todo seu empenho.
Depois do Encontro de Trindade, aconteceram mais seis Interreclesiais:
7º Interreclesial: Foi em Duque de Caxias (RJ), de 10 a 14 de julho de 1989, com o tema: “Povo de Deus na América Latina, a Caminho da Libertação”. 2.500 pessoas participaram desse Encontro, que teve sua temática geral subdividida em três questões específicas: a situação da América Latina, a relação entre fé e libertação, a eclesialidade das CEBs e sua dimensão ecumênica.
8º Interreclesial: Aconteceu em Santa Maria (RS), de 08 a 12 de setembro de 1992, com o tema: “Povo de Deus, renascendo das Culturas Oprimidas”. 2.800 pessoas estavam presentes. Cada bloco encarregou-se de um tema: índios, negros, migrantes, trabalhadores e mulheres. Esta experiência inovadora de evangelização a partir dos povos e culturas oprimidas não ocorreu sem momentos de forte dificuldade e tensão, conforme o que testemunha o documento final: “Tudo que é novo nasce com dor de parto, mas também traz alegria”. Em especial, dos blocos dos negros e das mulheres vieram as reivindicações mais contundentes.
9º Interreclesial: Aconteceu em São Luiz (MA), de 15 a 19 de julho de 1997, com o tema: “CEBs, Vida e Esperança nas Massas”. Contou com 2.800 participantes. O tema foi subdividido em seis eixos, formando a base do trabalho nos blocos temáticos. São eles: CEBs e catolicismo popular; CEBs e religiões afro; CEBs e pentecostalismo; CEBs e cultura de massa; CEBs e movimento popular (excluídos); CEBs e questão indígena.
10º Interreclesial: Foi em Ilhéus (BA), de 11 a 15 de julho de 2000, com o tema: “CEBs, Povo de Deus, 2000 Anos de Caminhada”. Dele participaram 3.036 pessoas. Recordou-se o sonho de Jesus e a vida de Comunidade assumida por seus seguidores e seguidoras de ontem e de hoje. O Encontro avaliou e celebrou os 500 anos de evangelização no Brasil e os 25 anos dos Interreclesiais, através das temáticas: CEBs, memória e caminhada; sonho e compromisso. Tudo isso para celebrar, festejar, avaliar e abrir novos horizontes para que um dia possamos colher os frutos da justiça, da partilha, da igualdade, da ternura, do carinho e da festa.
11º Interreclesial: Teve lugar em Ipatinga (MG), de 19 a 23 de julho de 2005, com o tema: “CEBs, Espiritualidade Libertadora. Seguir Jesus no Compromisso com os Excluídos”. Houve a participação de aproximadamente 4.000 pessoas. O Encontro foi avaliado, no seu conjunto, como um “Novo Pentecostes” que, alimentado por uma espiritualidade autenticamente libertadora, uniu e reuniu povos e línguas, raças e nações, para celebrar o amor do Deus Libertador, parceiro dos pobres e oprimidos, renovando em todos e todas o empenho de “seguir Jesus no compromisso com os excluídos” (Cf. Retrospectiva dos Interreclesiais das CEBs: www.lucimarbueno.blogspot.com - 09/01/09).
12º Interreclesial: Aconteceu em Porto Velho (RO), de 21 a 25 de julho de 2009, com o tema: “CEBs: Ecologia e Missão. Do Ventre da Terra, o Grito que vem da Amazônia”.
Na abertura do Encontro, o Arcebispo de Porto Velho Dom Moacyr Grecchi, a líder indígena e educadora Eva Canoé, e o teólogo e assessor nacional das CEBs Padre Benedito Ferraro falaram sobre o trabalho das CEBs. Para Ferraro, o grande papel das CEBs, que têm um forte compromisso social, é a busca pela libertação, em todos os sentidos: econômico, político, ecológico, cultural, espiritual, sexual, e outros.
Dom Moacyr enfatizou a alegria de receber o Encontro das CEBs na cidade de Porto Velho e destacou as lutas das Comunidades. Ele citou o provérbio africano “gente simples, fazendo coisas pequenas em lugares sem importância, conseguem mudanças extraordinárias”, que, segundo ele, é o retrato das CEBs hoje.
Para Eva Canoé, as CEBs respeitam e consideram muito a cultura e a religião dos povos indígenas, em suas crenças e seus rituais. Além disso, ela afirmou que a Igreja, organizada em Comunidades de Base, valoriza a autonomia dos povos indígenas, apóia suas lutas e sua causa, e se importa com seus direitos e necessidades (Cf. Maíra Heinem. E o trem das CEBs chega à Amazônia: www.brasildefato.com.br - 04/08/09)
13º Intereclesial das CEBs: Acontecerá, de 07 a 11 de janeiro de 2014, em Crato (CE). Esse Encontro terá como tema: “Justiça e Profecia a Serviço da Vida. CEBs, Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”.
A atualidade das CEBs foi reafirmada pelo Documento de Aparecida, da 5ª Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, e pelo Documento (oficial) “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”, da 48ª Assembleia Geral da CNBB. Reparem que a Mensagem é dirigida a todo o Povo de Deus, a toda a Igreja. Não se diz “Mensagem às CEBs”, mas “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”.
Na Mensagem os bispos, retomando as palavras do Doc. 25, de 1982. dizem: “’As Comunidades Eclesiais de Base’ constituem, ‘em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja (...)’ (CNBB, Doc. 25, 1). Após a Conferência de Aparecida (2007) e o 12º Interreclesial (Porto Velho - 2009), queremos oferecer a todos os nossos irmãos e irmãs uma mensagem de animação, embora breve, para a caminhada de nossas CEBs.
Queremos reafirmar que elas continuam sendo um ‘sinal da vitalidade da Igreja’ (“Redemptoris Missio” - RM 51). Os discípulos e as discípulas de Cristo nelas se reúnem para uma atenta escuta da Palavra de Deus, para a busca de relações mais fraternas, para celebrar os mistérios cristãos em sua vida e para assumir o compromisso de transformação da sociedade. Além disso, como afirma Medellín, as Comunidades de Base são ‘o primeiro e fundamental núcleo eclesial (...), célula inicial da estrutura eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção humana (...)’ (Medellín 15).
Por isso, ‘Como pastores, atentos à vida da Igreja em nossa sociedade, queremos olhá-las com carinho, estar à sua escuta e tentar descobrir através de sua vida, tão intimamente ligada à história do povo no qual elas estão inseridas, o caminho que se abre diante delas para o futuro’ (CNBB, Doc. 25, 5)”.
A Mensagem fala, pois, dos novos desafios que as CEBs enfrentam hoje, numa sociedade globalizada e urbanizada, por causa das “grandes mudanças que estão acontecendo no mundo inteiro e em nosso país”. Fala-se atualmente que “o mundo vive não mais uma época de mudanças, mas ‘uma mudança de época, cujo nível mais profundo é o cultural’ (Documento de Aparecida - DA, 44)”. Conclui a Mensagem: “Só uma Igreja com diferentes jeitos de viver a mesma fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade contemporânea”.

Fazendo a memória dos 25 anos do 6º Interreclesial das CEBs em Trindade - GO (“CEBs, Povo de Deus em Busca da Terra Prometida”) e, ao mesmo tempo, iniciando a nossa caminhada espiritual rumo ao 13º Interreclesial em Crato - CE (“Justiça e Profecia a Serviço da Vida. CEBs, Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”), em janeiro/14, sugiro que as CEBs da Arquidiocese de Goiânia e das Dioceses do Regional Centro Oeste da CNBB - com a participação de representantes das CEBs do Brasil inteiro - organizem uma grande Romaria das CEBs (uma viagem especial do trem das CEBs) ao Santuário do Divino Pai Eterno em Trindade - GO, por ocasião do encerramento do mês da Bíblia (setembro/11) ou do mês missionário (outubro/11). Quem sabe, poderia se tornar uma tradição anual!
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 31/07/11, p. 6 


 Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos