quinta-feira, 7 de março de 2013

A espiritualidade humana como “espiritualidade cristã”

Para os cristãos/ãs, à luz da fé, a espiritualidade humana - sobre a qual refletimos no artigo anterior - é espiritualidade cristã. Não são duas espiritualidades diferentes. É a mesma espiritualidade. A espiritualidade não pode ser cristã se não for humana e, se for humana, é cristã. A fé é como um farol que ilumina a razão humana e amplia seus horizontes, tornado-a capaz de enxergar melhor e mais longe. Em outras palavras, a fé dá à razão humana as condições de compreender - sempre mais profunda e radicalmente - o ser humano. Em Cristo, o “humano” é tão humano que se torna “divino” e o “divino” é tão divino que se torna “humano”. "O mistério do ser humano (homem e mulher) só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. Com efeito, Adão o primeiro homem era figura daquele que haveria de vir, isto é, de Cristo Senhor. Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 22). E ainda: "A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (Ib., 11). Reparem que o texto não diz “soluções não somente humanas, mas também sobrenaturais” (visão dualista da vida humana), mas diz “soluções plenamente humanas”. O plenamente humano, para os cristãos/ãs, inclui a dimensão da fé. A fé - quando verdadeira - humaniza, torna o ser humano mais ser humano. O autêntico cristianismo é um humanismo pleno, é um humanismo radical. Pela condição, pois, do ser humano no mundo e pela ligação umbilical que ele tem com todos os seres, vivos ou não, podemos dizer que o humanismo pleno e radical é também um humanismo natural e um naturalismo humano. Ser cristãos/ãs é ser plena e radicalmente humanos. O plena e radicalmente humano é cristão e o cristão é plena e radicalmente humano. Os cristãos/ãs devem ser, por assim dizer, especialistas em humanidade. Pela fé, eles e elas descobrem sempre mais claramente o verdadeiro sentido da vida na história, até o seu pleno, último e definitivo sentido na meta-história. A espiritualidade cristã é, portanto, um projeto de espiritualidade plena e radicalmente humana. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Ib., 1). Trata-se de uma solidariedade (com-paixão) entranhável dos cristãos/ãs com todos os seres humanos, homens e mulheres, a partir dos pobres (a Opção pelos Pobres). Jesus nos deu o exemplo. Ele não escolheu nascer no palácio do imperador de Roma ou em outros palácios (inclusive, eclesiásticos), mas escolheu nascer numa manjedoura para - a partir da manjedoura e de tudo o que ela significa - anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus a todos e a todas, de todos os povos e de todas as culturas. Uma espiritualidade meramente formal, legalista, farisaica, fria, insensível à dor dos irmãos/ãs e indiferente aos graves problemas da humanidade, sobretudo dos pobres, não é espiritualidade evangélica, não é espiritualidade cristã. É muito comum, sobretudo hoje, ver pessoas que vivem esse tipo de espiritualidade, mesmo em ambientes de Igreja. Para essas pessoas, o importante não é “ser” espirituais, mas “parecer” espirituais. Por fim, um questionamento que nos faz pensar: “Criticamos os fariseus pelos seus 613 mandamentos, mas será que não fizemos dos 1.752 cânones do nosso Código uma lei mais pétrea do que a do amor ao próximo?” (Pe. José Luiz Gonzaga do Prado. Roteiros Homiléticos, em: Vida Pastoral, janeiro-fevereiro de 2013, p. 48). No próximo artigo refletiremos sobre a espiritualidade cristã como “espiritualidade pascal”.

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