terça-feira, 13 de agosto de 2013

O irmão Francisco e a JMJ

“Não deixemos entrar no nosso coração a cultura do descartável,
porque nós somos irmãos. Ninguém é descartável!”
 (Visita à Comunidade de Varginha - Manguinhos, 25/07/13)

Do dia 23 a 28 de julho deste ano, aconteceu no Rio de Janeiro, a 28ª Jornada Mundial da Juventude (JMJ). O lema da Jornada foi “Ide e fazei discípulos entre todas as nações!” (Mt 28, 19). Compareceram aos diversos atos da JMJ cerca de 3,7 milhões de pessoas, a grande maioria jovens.
Francisco, com toda simplicidade, humildade e ternura, apresentou-se como um irmão no meio dos irmãos e irmãs. Seu testemunho nos edificou e sua palavra nos questionou.
No dia 24, na Homilia no Santuário de Aparecida, Francisco afirmou: "Hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer". "Frequentemente uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros".
Pedindo que os cristãos/ãs sejam "luzeiros da esperança", continuou dizendo: "tenhamos uma posição positiva sobre a realidade". "Encorajemos a generosidade que caracteriza os jovens, acompanhando-lhes no processo de se tornarem protagonistas da construção de um mundo melhor". E ainda: "os jovens não precisam apenas de coisas, precisam sobretudo que lhes seja proposto aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um povo".
No dia 25, na Visita à Comunidade de Varginha, Francisco declarou: “Queria lançar um apelo a todos os que possuem mais recursos, às autoridades públicas e a todas as pessoas de boa vontade comprometidas com a justiça social: não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades que ainda existem no mundo! Cada um, na medida das próprias possibilidades e responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para acabar com tantas injustiças sociais! Não é a cultura do egoísmo, do individualismo, que frequentemente regula a nossa sociedade, aquela que constrói e conduz a um mundo mais habitável, mas sim a cultura da solidariedade; ver no outro não um concorrente ou um número, mas um irmão”.
Lembrou, ainda, que a Igreja é “advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas, que clamam ao céu” (Documento de Aparecida, 395),
 E, dirigindo-se aos jovens, afirmou: “Vocês, queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que se apague a esperança. A realidade pode mudar, o homem pode mudar. Procurem ser vocês os primeiros a praticar o bem, a não se acostumarem ao mal, mas a vencê-lo. A Igreja está ao lado de vocês, trazendo-lhes o bem precioso da fé, de Jesus Cristo, que veio ‘para que todos tenham vida, e vida em abundância’ (Jo 10,10)”.
No mesmo dia 25, em sua Saudação na Acolhida aos Jovens, Francisco afirmou: “queridos jovens: se queremos que a Cruz tenha realmente sentido e plenitude, como vocês mesmos desejam e merecem, digo a cada um e a cada uma de vocês: ‘bote fé’ e a vida terá um sabor novo, terá uma bússola que indica a direção; ‘bote esperança’ e todos os seus dias serão iluminados e o seu horizonte já não será escuro, mas luminoso; ‘bote amor’ e a sua existência será como uma casa construída sobre a rocha, o seu caminho será alegre, porque encontrará muitos amigos que caminham com você. ‘Bote fé’, ‘bote esperança’, ‘bote amor!’”.
Já, no domingo dia 28, durante a Missa de Envio, falando de coração aberto, convidou os jovens a serem discípulos em missão e afirmou: "Não tenham medo de ser generosos com Cristo, de testemunhar o seu Evangelho, a sua fé". “Ide, sem medo, para servir”. "Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o caminho a ser percorrido por vocês!". "O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da sua misericórdia e do seu amor". "Não tenham medo! Quando vamos anunciar Cristo, Ele mesmo vai à nossa frente e nos guia. Ao enviar os seus discípulos em missão, Jesus prometeu: ‘Eu estou com vocês todos os dias’". “Jesus não nos trata como escravos, mas como homens livres, amigos, como irmãos; e não somente nos envia, mas nos acompanha, está sempre junto de nós nesta missão de amor”.
Francisco diz ainda que, para servir, é necessário cantar ao Senhor Deus um canto novo. “Qual é este canto novo? Não são palavras, nem uma melodia, mas é o canto da nossa vida, é deixar que a nossa vida se identifique com a vida de Jesus, é ter os seus sentimentos, os seus pensamentos, as suas ações. E a vida de Jesus é uma vida para os demais. É uma vida de serviço”.
No Encontro com os Voluntários da JMJ, no mesmo dia 28, o nosso irmão Francisco lembrou aos jovens: “Na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é ‘curtir’ o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas, ‘para sempre’, uma vez que não se sabe o que reserva o amanhã. Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, eu peço que vocês vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, crê que vocês não são capazes de amar de verdade. Eu tenho confiança em vocês, jovens, e rezo por vocês. Tenham a coragem de ‘ir contra a corrente’. E tenham também a coragem de ser felizes!”.
Na diversidade das culturas, que a todos e a todas nos enriquecem, a JMJ (mesmo com suas limitações e ambiguidades) foi uma manifestação pública de fé e de comunhão universal. Mas sabemos que isso não basta. Ser discípulos/as missionários/as de Jesus de Nazaré é um jeito de viver 24 horas, dia e noite. Portanto, jovens, mãos à obra. Vão para as ruas.
No Encontro com os Jovens argentinos na Catedral, o irmão Francisco declarou: “espero uma confusão na Jornada Mundial da Juventude. Mas quero confusão e agito nas dioceses, que vocês saiam às ruas. Quero que a Igreja vá para as ruas. Quero que nos defendamos de tudo que seja acomodação e ficar fechado em torno de nós mesmos. As paróquias devem sair às ruas. Se não, acabam se transformando numa ONG. E a Igreja não pode ser uma ONG”.
Falando dos jovens, na Entrevista exclusiva da GloboNews, exibida no O Fantástico dia 28, Francisco afirmou:  “um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! É preciso ouvir os jovens, dar-lhes lugares para se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados”.
Irmão Francisco, sua palavra e, sobretudo, seu testemunho é um sinal de muita esperança para os jovens e para todos/as nós, discípulos/as missionários/as de Jesus de Nazaré. Obrigado por ter, com toda simplicidade, assinado “Francisco” na sua primeira Encíclica “Lumen Fidei” (A Luz da Fé), sem títulos honoríficos e pomposos. É um gesto muito revelador.
Embora, Francisco, sua pessoa nos edifique a todos e a todas, muitos/as de nós, motivados pelo Evangelho, temos um sonho: desejamos ardentemente que as estruturas centrais da Igreja mudem, para que o bispo da Igreja de Roma - que, como o irmão sempre fala, preside na caridade (não, na lei) todas as Igrejas - não seja mais chefe de Estado (rei ou monarca absoluto), mas somente pastor. Jesus não fundou nenhum Estado e quando o povo queria proclamá-lo rei, ele dava um jeito de se esconder. O Vaticano podia deixar de ser Estado e ser entregue à UNESCO, para que cuide do seu patrimônio cultural.
Para que o nosso irmão Francisco e seus sucessores - que esperamos sejam eleitos um dia com uma maior representatividade da Igreja de Roma e de todas as Igrejas - possam cumprir sua missão, precisam ter, como qualquer bispo, a liberdade de viajar quando quiserem e para onde quiserem, de acordo com a necessidade pastoral, sem o aparato externo reservado aos chefes de Estado. Para que sejamos uma Igreja realmente evangélica, precisamos de mudanças profundas e radicais. Que o Espírito Santo nos ilumine!
“Um sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade” (Raul Seixas).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 08 de agosto de 2013

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