sábado, 9 de abril de 2016

Pensando em voz alta


            Sem nenhuma pretensão e pensando em voz alta, faço algumas reflexões sobre a crise política atual no Brasil.
Infelizmente, estamos assistindo de camarote a um espetáculo circense deprimente, que dá nojo. É difícil acreditar que em pleno século XXI exista na prática política tanta barganha, tanto oportunismo e tanta sem-vergonhice! Tudo é permitido, tudo é natural. Bobo é quem não aproveita a oportunidade de seu mandato político ou cargo público - que deveria estar a serviço do bem de todos e de todas - para defender seus interesses pessoais e para enriquecer a si e a seus familiares com a prática da propina, da corrupção e do desvio de dinheiro público, que muitas vezes é um roubo legalizado.
Hoje no Brasil temos: de um lado, o grupo político - cuja prática conhecemos há tempos - dos que sempre defenderam o projeto capitalista neoliberal (partidos da direita, liderados pelo PSDB), que perderam as últimas eleições presidenciais e querem descaradamente (com qualquer meio e a qualquer custo) retomar o poder; de outro lado, o grupo político - cuja prática pensávamos fosse diferente - dos que estão atualmente no governo federal (partidos da “chamada” esquerda, liderados pelo PT), que - apesar de ter suscitado tantas esperanças nos trabalhadores e trabalhadoras e nos pobres em geral - para ganhar o poder (também com qualquer meio e a qualquer custo) traíram o povo, venderam-se e aliaram-se a uma parte do outro grupo político que sempre dominou a política brasileira.
O grupo político do PT e seus aliados tornou-se de fato o gestor do sistema capitalista neoliberal que, “reformado” e “maquiado”, foi chamado de neodesenvolvimentismo: uma grande ilusão.
Não existe (como dizem alguns) o perigo da volta ao projeto do neoliberalismo. Ele está aí. Nunca saiu. Os governos do PT e seus aliados não conferiram (como dizem outros) centralidade aos pobres e aos marginalizados, defendendo uma prática política realmente integradora dos excluídos e das excluídas.
Na realidade, esses governos não fizeram nada ou quase nada a respeito da reforma agrária popular e deram total apoio ao agronegócio. Não fizeram nada ou quase nada a respeito das políticas públicas em favor da organização dos trabalhadores e trabalhadoras, dos movimentos populares e de sua luta por um projeto político de sociedade e de mundo estruturalmente novo. Ao contrário, procuraram cooptar e, muitas vezes, criminalizar os trabalhadores e trabalhadoras e os movimentos populares. A respeito do ajuste fiscal, esses governos - apesar da pressão da sociedade organizada para que isso fosse feito - nunca taxaram as grandes fortunas e os custos do ajuste recaem sempre em cima dos trabalhadores e trabalhadoras, reduzindo ou cortando benefícios conquistados a duras penas e com muita luta.
A política econômica dos governos do PT e seus aliados sempre foi e - mesmo em crise - continua sendo voltada para a defesa dos interesses do sistema dominante, que é o sistema capitalista neoliberal, “reformado” e “maquiado” de neodesenvolvimentismo. Nesses governos - só para citar um exemplo - os banqueiros tiveram e ainda têm os maiores lucros de toda sua história.
Ao povo são oferecidas somente as migalhas dos programas sociais, como Bolsa Família e outros, que tiram, ao menos provisoriamente, muitas pessoas da miséria dando condições de uma vida minimamente digna, mas que, ao mesmo tempo, servem para desarticular os movimentos populares, amortecer a luta política, e manter o povo submisso (sem perigo de revoltas) aos detentores do poder econômico.
Giovanni Alves, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor da Unesp, afirma: “Como herdeiro político capaz de dar prosseguimento ao projeto burguês de desenvolvimento no Brasil, o PT qualificou-se nos últimos vinte anos, pelo menos desde a sua derrota política e eleitoral em 1989, como partido da ordem burguesa no Brasil. Com a argúcia política de Lula, construiu alianças com os donos do poder oligárquico, visando não apenas a governabilidade (capitalista, é claro!), mas a afirmação hegemônica do projeto social neodesenvolvimentista no Brasil”.
E ainda: “Sob fogo cruzado da direita oligárquica, rançosa e golpista, o PT e seus aliados políticos aparecem hoje como gestores do capitalismo organizado no pais, a serviço do grande capital monopolista privado nacional. Na medida em que se colocou como legatário da ordem burguesa o PT, em si e para si, tornou-se incapaz por si só, diga-se de passagem, de suprimir o DNA inscrito no ‘código genético’ do capitalismo brasileiro: hipertardio, portanto carente de modernização; dependente, portanto integrado aos interesses do capital financeiro internacional, perseguindo, no limite, um ‘lugar ao sol’ na decrépita ordem burguesa hegemônica; de extração colonial-prussiana e viés escravista, portanto, carente de valores democráticos e republicanos tendo um metabolismo social do trabalho baseado visceralmente na superexploração da força de trabalho - é o que explica, por exemplo, que, apesar do neodesenvolvimentismo e a curta fase áurea do lulismo, os salários brasileiros hoje continuam baixos. Apesar de o país ter criado cerca de 19 milhões de empregos formais, a maioria absoluta dos novos empregos criados nos últimos dez anos tem salários de até um e meio salário mínimo” (http://blogdaboitempo.com.br/2013/05/20/neodesenvolvimentismo-e-precarizacao-do-trabalho-no-brasil-parte-i/).
Não posso terminar as minhas reflexões sem comentar um fato - em si de pouca importância, mas muito revelador - que me deixou estarrecido e, ao mesmo tempo, profundamente indignado. Trata-se das conferências de Lula, contratadas por grandes empresas e instituições. Com base no que cobra o ex-presidente norte-americano Bill Clinton (que belo exemplo a ser seguido por um ex-trabalhador!), a tarifa fixa por cada conferência é de US$ 200 mil (cerca de R$ 730 mil). Certamente Lula não vai falar às empresas multinacionais e às instituições financeiras - pedindo seu apoio - da importância da organização e da luta dos trabalhadores e trabalhadoras para mudar o sistema capitalista neoliberal! Que traição!
(Leia também na internet o meu artigo: “Lula, o palestrante de luxo dos banqueiros e das multinacionais”, maio 2011).
Companheiro Lula (não sei se ainda posso chama-lo de “companheiro”!) - ex-presidente, ex-trabalhador, ex-sindicalista, ex-tudo - por que você (que não precisa de dinheiro para viver) não faz conferências de graça, como voluntário, para os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras e para os movimentos populares, colocando a experiência política que adquiriu nesses anos a serviço de sua organização e de sua luta? É isso que você deveria fazer, se tivesse um mínimo de coerência!
Infelizmente, tudo indica que você Lula se lambuzou com o poder (que subiu à sua cabeça), ficou totalmente obcecado por ele e traiu os trabalhadores e trabalhadoras. Passou de corpo e alma para o outro lado, inclusive dizendo nesses dias, com ironia e cinismo, que desistiu do tríplex de 215 metros quadrados no litoral paulista por ser - pelo seu tamanho pequeno - um tríplex “Minha Casa, Minha Vida”. Que vergonha, Lula!
Enfim, apesar de tudo o que está acontecendo, diante da crise política atual - para defender e ampliar os espaços de democracia direta e indireta que temos (na realidade a nossa democracia é mais uma oligarquia do que uma democracia) - precisamos combater, com urgência e firmeza, a ameaça de golpe “midiático, judicial e parlamentar” (como se expressa um grupo de Jornalistas em documento público) - que se pretende fazer passar com o nome de impeachment - ou qualquer outra ameaça de golpe. Precisamos também, sempre com urgência e firmeza, combater toda prática política corrupta, venha de onde vier, processando, julgando e condenando seus responsáveis.
São medidas inadiáveis, embora saibamos que a corrupção é um problema endêmico e faz parte do próprio sistema.  Como diz o Papa Francisco, “o sistema social e econômico é injusto em sua raiz”, é “um mal embrenhado nas estruturas” (A Alegria do Evangelho - EG, 53 e 59) e precisa ser mudado.

Em nome de nossa consciência cidadã e - para nós cristãos e cristãs - em nome também de nossa Fé, vamos à luta! Uma outra prática política é possível e necessária!



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 30 de março de 2016

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