domingo, 25 de setembro de 2016

Brasil: medalha de ouro em concentração de renda



            No artigo “Brasil, o paraíso dos ricos” (Carta Capital, 29/08/16), Carlos Drummond escreve: “a convergência de várias políticas garante ao Brasil a medalha de ouro em concentração de renda no mundo”. Que triste primado! Que vergonha para o Brasil! Infelizmente temos no País um modelo de sistema capitalista neoliberal dos mais retrógrados do ponto de vista cultural. Esse modelo conseguiu juntar formas escravagistas e feudais de vida com o que há de pior do sistema capitalista neoliberal.
            O jornalista continua dizendo que (conforme mostrou o seminário sobre o tema organizado pelo site Plataforma Política Social e o Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, 15/08/16) “a transferência de renda para os ricos é crescente no País, na contramão da tendência mundial de aumentar os impostos para as faixas mais altas. Tornou-se também uma instituição sólida, garantida pelas políticas tributária, fiscal, monetária e cambial”.
            Citando o economista Rodrigo Octávio Orair (pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea e do International Policy Center for Inclusive Growth, da Organização das Nações Unidas), Carlos Drummond afirma que são três as condições que tornam o Brasil o paraíso dos ricos e super-ricos: a primeira “é a taxa de juros sem paralelo no resto do mundo, garantia de alta rentabilidade para o capital”; a segunda “é a isenção tributária de lucros e dividendos, instituída em 1995 no governo FHC”; a terceira “são as alíquotas de impostos muito baixas para as aplicações financeiras, de 15% a 20%, quando os assalariados pagam até 27,5%”. Orair aponta: “a concentração de renda no Brasil não tem rival no mundo”.
Na pesquisa (realizada com Sérgio Wulff Gobetti, também pesquisador do Ipea), Orair (utilizando a base de dados sobre os 20 países mais ricos, criada pelo economista francês Thomas Piketti, autor do livro O Capital no Século XXI), denuncia: “o meio milésimo mais rico do País, composto de 71 mil pessoas, ‘uma população que cabe num estádio de futebol’, apropria-se de 8,5% de toda a renda nacional das famílias. Na Colômbia, a proporção é 5,4% e nas economias desenvolvidas fica abaixo de 2%”.
Carlos Drummond afirma que ”há um movimento mundial para reduzir a desigualdade econômica. De 2008 para cá, 21 dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tomaram medidas de aumento da tributação dos mais ricos. Os Estados Unidos elevaram as alíquotas máximas do Imposto de Renda daquela camada e o Chile tomou medida semelhante em 2013, para financiar a educação”. O Brasil - destaca o pesquisador do Ipea - “é um dos poucos lugares onde não se toca no tema. A discussão está bloqueada”.
Segundo a autor do artigo, “os super-ricos do Brasil têm renda média de 4 milhões de reais, dois terços dos seus ganhos, compostos de lucros e dividendos, são isentos e um quarto está aplicado no mercado financeiro com alíquotas, em média, entre 16% e 17%. O argumento de que não cabe taxar dividendos porque a empresa já recolhe impostos e haveria uma bitributação não procede”. O pesquisador do Ipea diz que “quase todos os países possuem esse sistema clássico de tributação, do lucro na empresa e dos dividendos distribuídos às pessoas físicas”.
Sempre segundo Carlos Drummond, “o sistema todo é regressivo, mas os mais ricos, isentos de tributação na maior parte da sua renda, costumam dizer que todos pagam o pato”. Com isso - critica Orair - “canalizam a raiva de quem paga de fato para
defender o seu próprio status quo”.
            Diante dessa situação gritante de injustiça institucionalizada, que garante aos detentores do poder econômico um crescimento ao infinito às custas dos trabalhadores/as, o governo ilegítimo do usurpador Michel Temer para recolocar a economia nos eixos (devem ser os eixos dos super-ricos!) vem com um pacote de medidas, que - sob a falsa aparência de modernidade - ameaçam os direitos dos trabalhadores/as, conquistados a duras penas,
            Fala-se de um teto para gastos públicos, de reforma da previdência, de ajuste fiscal, de modernização das leis trabalhistas contra o corporativismo sindical e de livre negociação entre empregados e empregadores. São todas medidas que - da maneira como estão sendo planejadas - prejudicam, de um jeito ou de outro, os trabalhadores/as, favorecendo sua exploração e superexploração. Essas medidas nem tocam de leve nos privilégios dos detentores do poder econômico, cujos lucros são cada vez maiores.
            Ainda sobre as medidas que o governo ilegítimo pretende tomar, declaro: o único critério para definir o teto dos gastos públicos deve ser a necessidade para uma vida de qualidade de todo o povo brasileiro, principalmente dos mais pobres. A reforma da previdência e o ajuste fiscal devem reafirmar os direitos adquiridos dos trabalhadores/as e ampliá-los (não cortá-los ou diminuí-los). A luta para defender os direitos dos trabalhadores/as não é corporativismo (como costumam dizer os poderosos), mas o papel dos sindicatos. Os trabalhadores/as não podem ser enganados em nome da chamada modernização das leis trabalhistas e da assim dita livre negociação. Entre lados tão desiguais como os detentores do poder econômico e os trabalhadores/as - que em sua maioria, para não morrer de fome, são obrigados (pegos pelo pescoço) a aceitar qualquer tipo de trabalho, mesmo superexplorado - a livre negociação não existe, é uma farsa.
Agora, pergunto: se o Brasil ganhou a medalha de ouro em concentração de renda do mundo, por que não cobrar a devolução, com juro e correção monetária, do dinheiro - que é do povo - roubado pelos ladrões de “colarinho branco”? A prática comum da corrupção na política - sobretudo através das propinas - como se fosse algo normal, não é um sinal de um roubo muito maior do dinheiro público, institucionalizado e legalizado? Por que não acabar com a sonegação de impostos dos ricos e super-ricos, cobrando - também com juros e correção monetária - todos os impostos atrasados? Por que não taxar as grandes fortunas, incluindo as heranças? Por que - no lugar de fixar aleatoriamente um teto para os gastos públicos - não fixar um teto para o lucro dos bancos que não tem limite e é uma afronta aos trabalhadores/as?
São essas as verdadeiras medidas que devem ser tomadas para sanar a economia. Tomando essas medidas, nunca faltarão recursos para uma vida digna e de qualidade para todos e para todas.
Enfim, lembro mais uma vez as duras palavras do Papa Francisco aos Movimentos Populares (Bolívia, julho de 2015): “este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata!”. Precisamos muda-lo e não tomar medidas econômicas que o fortaleçam (como pretende fazer o governo ilegítimo do usurpador Michel Temer). Vamos à luta! A caminhada é longa!









 Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 21de setembro de 2016



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