sexta-feira, 26 de abril de 2024

Encontro Nacional das Coordenações do MNPR

 


Conforme foi amplamente divulgado nos Meios de Comunicação Social e nas Redes Sociais, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com base em dados do Cadastro Único do Governo Federal. a População em Situação de Rua no Brasil aumentou 935,31% nos últimos dez anos. O número de pessoas cadastradas saltou de 21.934 em 2013 para 227.087 até agosto de 2023. Nos dois primeiros meses de 2024, mais 10 mil pessoas foram para as Ruas.

Para André Luiz Freitas, Coordenador do Observatório de Políticas Públicas da UFMG, o racismo é uma das marcas desse fenômeno. Cerca de 70% dos Moradores em Situação de Rua são negros e 87% têm entre 18 e 59 anos. Para o especialista, só a implantação de políticas estruturantes de moradia e geração de emprego podem acabar com o problema. Precisamos abrir caminhos para que isso aconteça.

Em Goiás temos cerca de 4 mil Moradores/as em Situação de Rua e, em Goiânia, cerca de 2,5 mil.

A condição de vida degradante dos nossos Irmãos e Irmãs, Moradores/as em Situação de Rua, é hoje uma das faces mais cruéis e perversas do pecado social ou estrutural da sociedade capitalista neoliberal.

Apesar de tudo isso - como Seres Humanos racionais e livres, Filhos e Filhas de Deus, Irmãos e Irmãs em Cristo, temos muitos motivos para esperançar.

Um dos motivos é o Encontro Nacional das Coordenações dos Estados e do Distrito Federal do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), que aconteceu em Goiânia - GO, de 20 a 24 de março deste ano de 2024.

  • O Objetivo geral do Encontro foi:

          Fortalecer o MNPR como uma força coletiva e transformadora.

  • Os Objetivos específicos foram:

         Troca de Experiencias, Discussão de Temas Relevantes, Definição de Estratégias,                            Articulação Política e Elaboração de Planos de Ação.

  • Os principais Temas discutidos foram: 

Acesso à Saúde, Moradia Digna, Reinserção Social, Políticas Públicas, Combate à Discriminação, Alimentação de Qualidade e Combate às Violências (cf. Relatório Final).

O Encontro “resultou em uma série de propostas e recomendações que serão encaminhadas às autoridades competentes, bem como a elaboração de um Plano de Ação para dar continuidade às discussões e iniciativas em prol da População em Situação de Rua. Além disso, reforçamos a importância da união e da articulação entre os diferentes atores sociais envolvidos nessa causa” (ib.).

Vamos ler e meditar o Relatório Final do Encontro Nacional. Trata-se de um texto claro, abrangente e muito bem elaborado. Ele aponta caminhos de luta para os/as militantes do MNPR e seus apoiadores como os Movimentos Socioambientais Populares, os Partidos Políticos Populares e outros (em:  file:///C:/Users/Freri%20Marcos/Desktop/RELATORIO_ENCONTRO_MNPR%20(1).pdf).

Na militância e em todas as nossas lutas, lembremos sempre que “Direitos Humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé” (D. Tomás Balduino).   

Parabéns à Equipe de Coordenação Nacional e à Equipe de Coordenação Local (Eduardo de Matos e companheiros/as) do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR).

Parabéns também à Equipe de Coordenação Nacional e à Equipe de Coordenação Local (Madalena Patrício e companheiras/os) da Pastoral do Povo da Rua (PPR).

Estamos com vocês! Por fim, nossa plena e total solidariedade ao Pe. Julho Lancellotti.

“A Rua unida jamais será vencida”!

(Vejam também o meu artigo, de 12 de julho de 2022, “A Rua unida jamais será vencida!”, em: http://freimarcos.blogspot.com/2022/07/a-rua-unida-jamais-sera-vencida.html ou em outros sites)

 









Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 25 de abril de 2024



terça-feira, 23 de abril de 2024

O Ser humano histórico-individual (1)

 


      (Continua a série de artigos sobre o Ser humano)


Para o Ser humano, “ser-no-mundo" historicamente, significa não só “ser-no-mundo” socialmente (como vimos), mas também, “ser-no-mundo" individualmente. O Ser humano histórico “é-no-indivíduo" (é em-si-mesmo como indivíduo), “é indivíduo". Trata-se de um indivíduo social, porque influencia e condiciona dialeticamente a sociedade. O Ser humano histórico é individualidade na socialidade (e socialidade na individualidade).


Mais especificamente, o Ser humano histórico é num indivíduo historicamente determinado: indivíduo concreto, empírico. A dimensão da "individualidade" (como a da “socialidade”) é constitutiva do Ser humano histórico.


Por fim, o Ser humano histórico é um ser totalmente individual (indivíduo), mas a individualidade não é a totalidade do Ser humano histórico.


Analisando e refletindo sobre o Ser humano individual em graus crescentes de profundidade (não por partes separadas ou compartimentos estanques) e tendo sempre presente sua unidade pluri-dimensional e pluri-relacional, percebe-se que o Ser humano individual é corpo (corpóreo), é vida ou bio-psique (vivente ou bio-psíquico) e é espírito ou pessoa (espiritual ou pessoal).


O Ser humano individual é - ao mesmo tempo - totalmente "corpo", totalmente "vida" ou “bio-psique” e totalmente "espírito" ou “pessoa”.


Para o Ser humano histórico, “ser-no-mundo" individualmente, significa, antes de tudo, “ser-no-mundo" corporeamente. A dimensão da corporeidade é constitutiva da individualidade humana. O Ser humano individual “é-no-corpo", “é-corpo". É corpo individual ou indivíduo corpóreo.


A primeira experiência existencial (concreta) que o Ser humano individual (o indivíduo) faz de si mesmo é a percepção de sua corporeidade.


A palavra "corpo" (soma) ou - na cultura semítica - "carne" (basar, sarks) significa o Ser humano individual todo enquanto ser corpóreo (carnal, físico, material, frágil, fraco). Quando se diz que o Ser humano individual é "corpo", o sujeito é o Ser humano individual todo (integral), mas a ênfase (o destaque) é colocada na sua corporeidade (carnalidade, fisicidade, materialidade, fragilidade, fraqueza).


De fato, olhando para um Ser humano individual concreto (um indivíduo) e refletindo sobre ele, a primeira coisa que se constata é que o indivíduo todo - e não uma parte dele - é corpo (carne, matéria). O Ser humano individual "é integralmente corpo" (MOUNIER, E. O Personalismo. Livraria Morais, Lisboa, 19642, p. 39).


A corporeidade diz respeito ao Ser humano individual todo (integral), mas não é a totalidade do Ser humano individual.


Enquanto corpo (ser corpóreo), o Ser humano individual relaciona-se com o mundo material, é natureza material e identifica-se com ela. Como "ser de natureza material", o Ser humano individual tem suas raízes na matéria. "Fruto de uma vasta evolução das espécies antropomórficas, a natureza do indivíduo humano é, em primeiro lugar, a dos seus átomos e moléculas: a mesma de qualquer pedaço de matéria; deste ponto de vista, o Ser humano individual não constitui uma exceção no universo" (GIMÉNEZ, G. Hacia una Ética de Liberación social. Universidad Católica, Assunción, 1972, p. 101: Mimeo).


O Físico, por exemplo, enquanto cientista, pode provar - pela verificação experimental - e afirmar com razão que todos os fenômenos humanos individuais são totalmente corpóreos (físicos, materiais): produtos de um conjunto de átomos e moléculas. O mesmo Físico, porém, sempre enquanto cientista, não pode provar e nem afirmar que o corpóreo (o físico, o material) é ou não é a totalidade do Ser humano histórico-individual.


Termino esse texto com um esclarecimento que - nessas alturas das nossas reflexões - torna-se necessário.


Considero equivocada a posição daqueles/as que - a partir de uma visão pseudocientífica - colocam a "questão antropológica" em termos alternativos: ou sou "monista" ou sou “dualista” (ou "pluralista"); se sou monista, ou sou "materialista" ou sou "espiritualista" (ou "idealista"); se sou materialista, ou sou "fisicalista" ou sou "biologista".


Entendo que posso ser, ao mesmo tempo, totalmente monista e totalmente dualista (ou pluralista), enquanto reconheço que no Ser humano há uma "dualidade" dimensional, a histórica e a meta-histórica (duas grandes dimensões), que - por sua vez - se desdobram numa "pluralidade" dimensional.

Como totalmente monista, posso ser, ao mesmo tempo, totalmente materialista e totalmente espiritualista. Como totalmente materialista, posso ser, ao mesmo tempo, totalmente fisicalista e totalmente biologista. Evita-se, assim, o reducionismo (a posição reducionista) monista ou dualista (ou pluralista); o reducionismo materialista ou espiritualista (ou idealista); o reducionismo fisicalista ou biologista. 


            (Continua no próximo artigo)

                Compartilhando:


Para uma visão mais aprofundada e abrangente dos temas tratados, leia: Ética da Libertação. Uma abordagem filosófico-teológica. Lutas Anticapital, Marília - SP, 2023 (p. 384).


Se houver interesse no assunto, leia também: Eclesiologia da Libertação: Reflexões teológico-pastorais. Editora: a mesma - 2022 (p. 120).




 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


 Goiânia, 22 de abril de 2024





O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-historico-individual-1/  (08/04/24)


sábado, 13 de abril de 2024

Uma imoralidade social que clama a Deus

 


“Um em cada cinco imóveis de Goiânia está vago" 

(O Popular. Manchete. 1º de abril de 2024, p. 10)


De um lado, Goiânia “conta com 653,8 mil domicílios, mas mais de 100 mil estão sem uso para fins de moradia”. Os Setores “Marista, Bueno, Centro, Campinas e Sul figuram entre os mais desocupados” (ib.).

De outro lado, Goiânia conta com ocupações em mais de 496 hectares de terra (cf. O Popular, 12/11/2022). São dezenas de Ocupações de 20, 30, 40, 50, 100, 500 famílias, que lutam pelo direito à moradia digna, com a solidariedade e o apoio - direto ou indireto - dos Movimentos Socioambientais Populares e, de maneira especial, dos Movimentos por Moradia digna, como o Movimento de Trabalhadoras/es por Direitos (MTD), o Movimento de Trabalhadoras/es Sem Teto (MTST), o Movimento por Moradia Popular (MMP), o Movimento de Luta nos Bairros , Vilas e Favelas (MLB), o Movimento Nacional de Luta por Moradia(MNLM) e a União dos Movimentos de Moradia (UMN).

Não podemos nunca esquecer que, infelizmente, Goiânia tem o título desonroso de “campeã brasileira” em despejos. Refiro-me à barbárie do Parque Oeste Industrial de 16 de fevereiro de 2005: cerca de 14 mil pessoas - inclusive muitas crianças - da Ocupação Sonho Real foram despejadas e jogadas na rua numa hora e meia da forma mais cruel e perversa possível. Uma verdadeira operação de guerra! Eu vivi essa experiência! Não dá para acreditar que o ser humano possa ser tão mau e tão diabólico. 

Goiânia conta ainda (segundo dados amplamente divulgados) com mais de dois mil Moradores de Rua, que também tem a solidariedade e o apoio dos Movimentos Socioambientais Populares e - de maneira especial - do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e da Pastoral do Povo da Rua.

Do ponto de vista humano (filosófico) e, mais ainda, do ponto de vista cristão ou radicalmente humano (teológico), esse contraste chocante é totalmente antiético. A propriedade particular deve estar subordinada à destinação dos bens para uso de todos os seres humanos. Trata-se de uma injustiça social gritante: uma imoralidade estrutural legalizada e religiosamente legitimada. Pela Ética, os imóveis vazios são de quem precisa deles para morar, trabalhar e viver dignamente.

O que me deixa mais indignado é o silêncio e a indiferença da Igreja Instituição e da maioria dos cristãos e cristãs diante dessa realidade. É um pecado de omissão muito grave! Onde está a dimensão profética da Igreja?

Inclusive, não duvido nada que muitos/as dos/as que se dizem donos desses imóveis “sem uso para fins de moradia”, se declarem cristãos católicos e cristãs católicas, recebam a comunhão todos os domingos e sejam até ministros/as da Eucaristia. Quanta hipocrisia!

Dia 7 deste mês de abril, segundo domingo da Páscoa - chamado domingo da Divina Misericórdia (o Amor de Deus acontecendo na história do ser humano) - os pretensos donos desses imóveis vazios, que se dizem cristãos católicos e cristãs católicas, devem ter ouvido, na Celebração da Missa, a mensagem da Primeira Leitura dos Atos dos Apóstolos, que fala do ideal de vida - de irmãos e irmãs de verdade - das primeiras Comunidades Cristãs.

“A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles/as. Com grande poder os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus. E todos eles/as gozavam de grande estima. Entre eles/as ninguém passava necessidade, pois aqueles/as que possuíam terras ou casas as vendiamtraziam o dinheiro  e o colocavam aos pés dos Apóstolos. Depois ele era distribuído a cada um/uma conforme a sua necessidade” (At 4. 32-35).

Como estamos longe ainda do ideal de vida das primeiras Comunidades Cristãs, que é o ideal de Jesus de Nazaré!

Em geral, as nossas Dioceses e Paróquias são muito voltadas para dentro de si mesmas, para sua organização, para seus problemas internos e se contentam com alguma obra social assistencial. Esquecem o que Jesus diz a seus discípulos (também no Evangelho do segundo domingo de Páscoa): “Como o Pai me enviou, eu envio vocês. Soprou sobre eles e disse: Recebam o Espírito Santo” (Jo 20, 21-22).

Os cristãos e cristãs somos enviados e enviadas para continuar no mundo a presença e a missão de Jesus, testemunhando e anunciando o seu Projeto de Vida, que é o Reino de Deus: um Mundo Novo. Que missão bonita! Que responsabilidade nós temos!

Renovo o meu total apoio às CEBs, às Pastorais Socioambientais, aos Movimentos Socioambientais Populares, aos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras e a todas as Organizações Populares que lutam por esse ideal. Estamos juntos e juntas! A vitória é e será nossa!


Jardim Goiás - Goiânia



Ocupação Emanueli - Jardim Novo Mundo - Goiânia


População em Situação de Rua - Goiânia



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


 Goiânia, 13 de abril de 2024



quinta-feira, 4 de abril de 2024

Em Goiás: “um absoluto desrespeito aos Migrantes”

 


A questão dos Migrantes é hoje uma das faces mais perversas e cruéis do pecado social ou estrutural do mundo de hoje, ou - mais especificamente - do Sistema Capitalista Neoliberal Mundial.

Basta acompanhar minimamente a história dos/as Migrantes, sobretudo em direção à Europa e aos Estados Unidos. Quanta maldade humana! Tudo em nome do Poder Econômico: o deus dinheiro e seus adoradores. O nosso irmão, o Papa Francisco - com muita dor no coração - chegou a afirmar que o Mediterrâneo se tinha tornado um Cemitério de Migrantes.

E em Goiás? Goiás é o 14º Estado com maior número de Migrantes registrados no país, conforme dados de 2022 (amplamente divulgados nas Redes Sociais e nos Meios de Comunicação). São 6.384, dos quais 3.398 mulheres e 2.986 homens.

Vivem em situação desumana por causa do descaso do Poder Público. Eles/as não são somente excluídos/as, mas descartados/as. Para os detentores do Poder Econômico, os/as Migrantes não existem. São “sobras” e “rejeitos” da sociedade.

(Cf. https://www.aredacao.com.br/noticias/193457/goias-abriga-6-mil-imigrantes-mas-falta-integracao-de-servicos-publicos).

Faço minha, dando total e irrestrito apoio, a denúncia profética - destemida e corajosa - de Fabrício Rosa, jovem defensor dos Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum. Ele assim se expressa:

“Que vergonha! Que absurdo! O Governo de Goiás não irá realizar a etapa estadual da Conferência de Migrações!

A Prefeitura de Goiânia, por sua vez, perdeu o prazo e também não realizará a etapa municipal.

Isso significa que Goiás não enviará delegados/as para a Conferência Nacional, que se realizará em junho na cidade de Foz do Iguaçu.

É um absoluto desrespeito aos migrantes, apátridas e refugiados que vivem em Goiás!”.

(Nas Redes Sociais, desde o dia 1º deste mês de abril. Vejam Vídeo abaixo: O Estado e a Prefeitura proibiram a realização de Conferências municipais e estaduais preparatórias)

Essa é a realidade! Toda nossa solidariedade às pessoas e Entidades que - como a Pastoral do Migrante - tentam, com amor de irmãos e irmãs, “amenizar” essa situação de sofrimento.

Por fim, meditemos as palavras do Papa Francisco: “Os seres humanos e a natureza não devem estar a serviço do dinheiro. Digamos NÃO a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra”.

“Existe um sistema com outros objetivos. Um sistema que, apesar de acelerar irresponsavelmente os ritmos da produção, apesar de implementar métodos na indústria e na agricultura que sacrificam a Mãe Terra na área da ‘produtividade, continua a negar a milhares de milhões de irmãos/ãs os mais elementares direitos econômicos, sociais e culturais. Este sistema atenta contra o projeto de Jesus”. É “Idólatra”, “mata”, “exclui” e ‘destrói’ a Mae Terra.

De outro lado, com muita esperança, Francisco fala de uma “economia popular e produção comunitária”, de uma “economia verdadeiramente comunitária”, de uma “economia de inspiração cristã”, de uma “economia justa”, de uma “economia a serviço das pessoas”

(Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra. Bolívia, 7-9 de julho de 2015).

É de muitos/as jovens militantes - unidos/as e organizados/as - que o mundo e o Brasil precisam. Parabéns, Fabrício!

“Somos Mundo Novo, Mundo Novo queremos!”

(Lema do “Movimento Mundo Novo”




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Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


 Goiânia, 04 de abril de 2024

quinta-feira, 21 de março de 2024

Viver como Irmãos e Irmãs

 


O Projeto de Jesus de Nazaré

A Quaresma é um tempo de renovação e mudança de vida. Nesse tempo, há 60 anos, acontece no Brasil a Campanha da Fraternidade, que continua depois durante o ano todo, deixando sua valiosa contribuição.

A CF lembra-nos que para sermos cristãos e cristãs, seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré, precisamos viver como irmãos e irmãs de verdade (e não só dizer que somos irmãos e irmãs).

O Tema da CF24 é: “Fraternidade e Amizade Social” e o Lema: “Vocês são todos e todas irmãos e irmãs” (Mt. 23,8).

Neste ano, a CF - inspirada na Carta Encíclica “Fratelli Tutti” do Papa Francisco - destaca a “Amizade Social”, ou seja, “o Amor presente nas relações sociais” (Texto-Base, 17).

Para vivermos como irmãos e irmãs, o Amor deve estar presente não somente nas relações pessoais ou interpessoais, mas também nas relações sociais: conjunturais e, sobretudo, estruturais.

Nas relações pessoais ou interpessoais - como, por exemplo, nas relações entre os membros de uma mesma família - é fácil perceber a falta de amor, reconhecê-la e superá-la.

Nas relações sociais - conjunturais e sobretudo estruturais - é muito mais difícil perceber a falta de amor. São relações que - ao longo da história - foram legalizadas, institucionalizadas e, quase sempre, legitimadas com argumentos religiosos deturpados e manipulados.

Na sociedade capitalista neoliberal na qual vivemos, a falta de Fraternidade e Amizade Social é uma realidade conjuntural e, sobretudo, estrutural permanente, que - por ser (como vimos) institucionalizada, legalizada e legitimada - é considerada “normal” pelas chamadas “pessoas de bem”.

Infelizmente, por causa da dominação ideológica, essa maneira de ver a realidade foi introjetada também na cabeça dos oprimidos e oprimidas. É o resultado de uma propaganda, perversa, iníqua, desumana, antiética e anticristã, que é uma afronta à dignidade humana dos Pobres!

No mundo, mais de 800 milhões de pessoas passam fome (quase 10% de toda a população). Destes, 33 milhões somente no Brasil. O que isso nos diz?

É impressionante constatar que nessa falta de Fraternidade e Amizade Social - uma “normalidade” legalizada - existem muitas pessoas, inclusive cristãos e cristãs, que falam e/ou escrevem sobre o crescimento do mercado de luxo, com orgulho, como se fosse uma conquista muito boa do ponto de vista humano e ético.

A título de exemplo, cito a cidade de Goiânia: “Mercado de luxo cresce e atrai investimentos para a cidade”. Goiânia “entrou no radar das marcas de luxo e superluxo. A capital tem recebido cada vez mais unidades próprias de grandes grifes de renome nacional e internacional, que são atraídas pelo grande potencial de consumo de produtos de alto padrão pela população das classes A e B”. “Entre os maiores consumidores, estão grandes empresários, muitos deles do agronegócio, e profissionais liberais” (O Popular, 11/03/24, p. 8). Com certeza, entre esses consumidores não têm Pobres!

Fico muito triste e profundamente indignado quando vejo que na minha - ou nossa - Igreja Católica não é muito diferente. Como exemplo, cito a construção grandiosa e luxuosa de todo o complexo - que inclui um Centro Administrativo - do 2º Novo Santuário de Trindade e a Campanha para trazer da Polônia os sinos do Novo Santuário, entre os quais “o maior do mundo” (Cf. O Popular, 13/03/24, p. 11).

Que absurdo! Com certeza, essa não é a Igreja que Jesus de Nazaré sonhou, quis e quer.

Os entusiastas e os amantes do luxo e da grandiosidade, lembrem-se que do ponto de vista ético e - mais ainda - ético-cristão - “ninguém tem direito ao supérfluo, quando o outro/a não tem o necessário” (S. Tomás de Aquino). E lembrem-se também que “a gloria de Deus é o ser humano vivo” (Santo Irineu de Lião).

Hoje mesmo ouvi essas palavras: “o Papa ocupa o mais alto cargo da Igreja Católica”. Errado! Na Igreja de Jesus de Nazaré não existem altos ou baixos cargos. Só existem dons e ministérios ou serviços que - mesmo diferentes - são iguais em dignidade e valor. Essa hierarquia de cargos não é evangélica.

“Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos/as. Cada um/a recebe o dom de manifestar o Espírito para o bem de todos/as” (1Cor. 12,4-7).

Por fim, só haverá verdadeira Fraternidade e Amizade Social quando reconhecermos de fato (e não só com palavras) essa verdade! Sejamos, hoje, seus profetas e profetizas! (CF24: Vejam o meu outro artigo, em: https://freimarcos.blogspot.com/2024/02/amizade-social-como-graca-social.html, ou no Portal das CEBs, no IHU e no Brasil de Fato).

Feliz Páscoa! Páscoa é Vida Nova! Páscoa é “Mundo Novo”!




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


Goiânia, 20 de março de 2024

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

O Ser Humano histórico - social (4)

 


                        (A parte final do artigo anterior, da série de artigos sobre o Ser humano)

O modo de produção caracteriza-se pelos seguintes elementos:


- O estágio de desenvolvimento das forças produtivas (combinação da força de trabalho com os meios ou técnicas de produção).

- As relações sociais (relações existentes entre os agentes da produção social e os meios de produção).

- A maneira de apropriação do excedente da produção social.

A forma como se combinam estes três elementos determina um modo de produção específico.


Historicamente falando, podem ser considerados como fundamentais os modos de produção primitivo, escravista (clássico e moderno), feudal, capitalista e socialista (Cf. MENDONÇA, N. Domingues, O uso dos conceitos. Uma questão de interdisciplinariedade. Vozes, Petrópolis, 19852, p. 64-65.


Sendo as mudanças sociais lentas e não acontecendo com o mesmo ritmo em todos os lugares, numa sociedade concreta (formação social) podem existir diversos modos de produção (ou, ao menos, elementos de diversos modos de produção). Um, porém, é sempre dominante e condiciona dialeticamente os outros, que, em geral, são "restos" de modos de produção em via de superação histórica.


Em outros textos, teremos a oportunidade de refletir longamente sobre a sociedade capitalista contemporânea (e também sobre as experiências de sociedade socialista do chamado "socialismo real") desde a ótica dos Pobres (empobrecidos/as, marginalizados/as, oprimidos/as, explorados/as, excluídos/as e descartados/as), daqueles/as que "não-são", daqueles/as que "não-contam".


Teremos a oportunidade, ainda, de destacar e evidenciar os sinais históricos de uma nova sociedade (uma sociedade alternativa: popular, socialista, ecológica, democrática, igualitária e participativa), que é a sociedade do “Bem Viver” e do “Bem Conviver” (como afirmam os nossos irmãos e irmãs Indígenas), ou - à luz da fé - o Reino de Deus acontecendo na história do Ser humano e do mundo.


Embora se encontre em gestação, essa sociedade está sendo construída pelos setores organizados das classes populares e seus "aliados", e será certamente uma sociedade eticamente superior e mais perfeita.


“Pergunto-me - diz o Papa Francisco - se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”.


O Papa diz ainda que este sistema insuportável exclui, degrada e mata!”. Francisco continua afirmando: “Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que atinja também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).


Por fim, “ser-no-mundo" socialmente (estruturalmente) significa - para o Ser humano histórico - que suas relações (em maior ou menor grau, sempre, "conscientes", senão não seriam relações humanas) com-o-mundo material e vivente e os outros (semelhantes), e com-o-Outro absoluto (Deus) são, antes de tudo, socioambientais, estruturais, objetivas. Elas acontecem (se processam) numa sociedade historicamente determinada (formação social) e na interdependência (interação) dialética do nível econômico (infraestrutura) com o nível jurídico-político e ideológico (superestrutura). São relações que não dependem da consciência e da vontade dos indivíduos (embora as relações sociais influenciem e condicionem dialeticamente as relações individuais e estas as sociais).


O Ser humano histórico é, pois, um ser totalmente social (sociedade), mas a socialidade não é a totalidade do Ser humano histórico.


(Ainda na série de artigos sobre o Ser humano, no próximo trataremos do Ser humano histórico-individual).



Editora Lutas Anticapital: Marília - SP, 2023 (p. 384)

editora@lutasanticapital.com.br



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


 Goiânia, 22 de fevereiro de 2024





O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-historico-social-4/ (16/02/24)


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos